domingo, 23 de dezembro de 2012

Natal dos Tempos




Natal tempo dos tempos
horas em cada momento,

Natal de sonhos, pensando
em viver o imaginário.

Natal podes levar contigo
uma estrela de tradições,
traz de volta ao meu mundo
a paz e o amor perdidos.

Natal não desesperes
O mundo não acaba aqui,
vira a música por favor e
dança uma valsa por mim.

Olha bem alto no céu,
olha e alcança essa Luz,
Luz que vem de tão longe
para quem a receber.

É bom dar o nosso melhor
de lado fica a magia,
as mágoas e os pensamentos
de um imaginário de criança.

Criança feliz por dentro,
casulo feio, borboleta andante,
espirro de luz num corpo de barro,
corpo da forma que o imaginário sente!

Natal por ti, Natal por mim,
Natal por todos
Natal imaginário
Acorda como sempre!

Mariajoao 23/12/2012

sábado, 10 de novembro de 2012

Lamento





Quero chorar e não posso!
Aí dor porque me apertas?
Se a luz abafa o caminho,
como a lágrima corre no rio...

Quero chorar por dentro,
a traição perdida no tempo.
Ser feliz sem receber...
Dar o que nunca terei...

Dói de mais esta ferida!
Aberta ao som da palavra.
Recebi o mundo a chorar...
E a chorar hei-de o deixar...

Mundo o que te dou:
as lágrimas  que escondi?
Ou o suor do meu corpo?
Quando me lembro de ti...

Maria João FS.
10/11/2012

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O poder dos livros


Dizem que uma imagem vale por mil palavras, pois esta certamente vale por 1001!

Os livros têm o poder de nos transportar para locais onde nunca pisámos e fazem-nos sentir como se lá tivéssemos vivido a nossa vida inteira.

Calçamos os sapatos de cristal ou as botas de borracha das nossas personagens mais queridas e aí vamos nós a cavalgar ou a correr por palavras e linhas e páginas de distância.

Às vezes chegamos ao destino com um sorriso no rosto, outras vezes perdemos alguém pelo caminho e o final não é tão feliz como gostaríamos...

A cada página abrimos sem medo uma nova porta sem saber quem ou o que nos espera do outro lado... É esse mistério que torna os livros tão apaixonantes!

sábado, 1 de setembro de 2012

Final de Festa

Uma vista de olhos pelo salão: a mesa desarrumada, a loiça por lavar. Vestígios de um tempo de convívio; breve e curto -mas intenso. No ar ainda fica o perfume da noite, suave e delicado que acaricia o rosto com prazer...com o cálido prazer que percorre os sentidos...lentamente, na penumbra, à luz do farol; fecha os olhos: o calor chega até aos ossos. Foi assim que entrou o amor, não esperou saber a resposta (bastou sentir); um dia entrou: nem bateu à porta!

-Eu te conheço, sei quem és, cresces-te comigo!!!

Lembrei-me: fiquei calada! O silêncio diz muito, quando não se quer ir mais além do permitido...

-Sei, sim! Há tanto tempo não sei de ti.

O mar separa o tempo -uma barreira imaginária-, até parecia que ele era de outra galáxia! Nem sei como reagi...fiquei só a escutar. Devagar deixei passar por mim um banho de emoções.
Como não lembrar-me das festas amenas: todos à mesa; todos na brincadeira! E eu observando tudo...

Os seus olhos abriram-se, viu-me, eu estou aqui à distância do tempo; a encurtar o caminho; a tentar viver e sentir; a salvar a minha pele.

-Dá-me um abraço, sim e fala-me de ti! Se nesse tempo todo a vida te sorriu? Se nesse tempo todo a vida te virou as costas?

E num instante surgiu à minha mente aqueles momentos cruciais: um; dois; três. É o segundo de três; fala de tudo sem parar. A vida parou -no tempo em que os sonhos se perderam-, depois recomeça ao virar da esquina no reencontro desse tempo; tempo de pensar que existo e que por isso a vida é bela.

-O que é feito da tua vida?

-O que a vida fez de mim!

Brindemos pela vida -que nos leva pela mão-, pensamos nós cumprir uma metas e obter o trunfo desejado, mas a vida, que é sábia, segue o rumo do horizonte: deixando sinais para quem os souber ler.

Toca uma valsa devagar, já não está ninguém, todos saíram! As gargalhadas ficaram no espaço, um a um os convidados se despedem, os anfitriões estão cansados. A música no fim...quando todos saíram: ficamos nós a dançar essa valsa!

O Danúbio de nós os dois, o Azul fica mais escuro, cada nota musical regala a sua harmonia; não há ninguém a espreitar: a sala ficou maior...uma dança com prazer; um sorriso de querer. Que importa se é final de festa! Que não haja nada para comer! Que importa que todos nos deixem...tu e eu já somos dois, dançamos ao mesmo som, cada um como quiser, ninguém repara se está mal. O mal afasta o prazer; o querer vence o medo, medo deste final, que pode ser só o começo de um conto de fadas.

Maria João FS.
23 de Agosto de 2012.

domingo, 19 de agosto de 2012

Luisinho e Luisão

- Ei, ei! Cuidadinho aí com as voltas. Calma, calma. Devagarinho. Ufa! Até fiquei transpirado. Olá Luisinho isto hoje está uma loucura, ainda venho tonto.
- Olá Luisão. Eu até gosto do disco voador. Não me queixo.
- Não, não, eu não me queixo, este fulano é que não sabe o que faz. Mas conta-me lá, como vai a noite? Quantas rodadas?
- Duas. Esta é a terceira.
- Pois... com vocês, rodas baixas, é diferente. Saem menos. Levam mais tempo na mão dos clientes. Mais um whisky on the lock?
- On the rocks?...
- Sim, sim, isso. On the rocks. Rock and rol mas devagarinho. Já eu... Como é que eu hei-de dizer? Sou mais requisitado pelas miúdas. Sou irresistível. Que é que eu hei-de fazer?
- Sim Luisinho, suponho que sejas.
- Elas gostam de mim. Hihihi. Não me posso queixar. Eu também gosto delas. Olha, olha, aí vem ela outra vez. Ai estes lábios! Até me fazem tremer.
- Estás bem?
- Ai se estou bem. Até fiquei transpirado. Tinha um cheirinho a cereja. Aqueles glosses que elas usam agora.
- Hum, hum...
- Pois. Tu não deves saber como é. A ti só te devem calhar bigodes, não?
- Sim, há alguns bigodes. E daí? Eu gosto. Fazem-me cócegas. E os meus clientes são mais pacientes. Sinto que eles olham mesmo para dentro de mim. Andam comigo às voltas. às vezes até falam comigo. Contam-me como foi o dia. Se discutiram com o chefe ou se a patroa está zangada com eles.
- Ó pá, mas isso deve ser cá uma seca. Sempre os mesmos clientes.
- Mas são certinhos. E com esta crise temos de pensar na segurança. Com tantos sítios novos a abrir há menos clientes. Parece que o que está a dar são clubes escuros com música estranha.
- Oh sim, também ouvi falar desses clubes. São só miúdas a entrar! Quem me dera lá ir.
- Mas contaram-me que eles substituem os copos por copos de plástico porque os miúdos partem tudo na pista de dança. Eu não quero ser aposentado e ir para a um armazém cheio de tralha.
- Pois, fazes bem em preocupar-te amigo mas eu... com a rodagem que eu tenho. Hoje já vou na sétima. Sete! A mim ninguém me pára. Olha, aí vem o tipo outra vez. mais uma rodada, mais uma voltinha no carrossel. É hoje que eu bato o recorde.
- Tchau Luisinho. Gostei de falar contigo.
- Ah!... Agora banhinho. Isso, isso, mais espuma. Lindo! Esfrega mais abaixo. Vá, não sejas tímida, só um bocadinho mais fundo. Aí, aí! Ahhhh! Essas mãos Telma. Depois de passar por sete bocas, só tu é que me fazias isto.
    

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O Pisco do Bosque




    Era uma vez...ou duas ou três,  um pequeno passarinho que voava pelo bosque, todos os dias do mês.
Era dia de conversa, o bosque estava agitado. Num ramo de  pinheiro, o corvo e o gaio , falavam lado a lado. O pequeno passarinho, não parou para falar, bateu as suas asas e continuou a voar.
Era dia de festa, o bosque estava animado. Junto à toca do Esquilo, a Raposa e o Lobo cantavam um fado. O pequeno passarinho, não parou para cantar, bateu as suas asas e continuou a voar.
Era dia de banquete, o bosque estava esfomeado. Na clareira iluminada, os esquilo comia consolado. O pequeno passarinho não parou para petiscar, bateu as suas asas e continuou a voar.
Era dia de brincadeira, o bosque estava cansado. No ninho fofinho, o pisco bebé dormia aconchegado.  O pequeno passarinho não parou para descansar, bateu as suas asas e continuou a voar.

Chegou à casa do João. Poisou no peitoral, bateu com o bico na vidraça e pediu para entrar.
O João alegrou-se,  começou a assobiar, tinha um bom amigo passarinho que o vinha visitar!
O Pisco abriu o bico, e começou a falar:

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Mar de Saudade

Fotografia: Mariajoao
Praia de Faro

















Sabe a saudade o que o coração espera
sonho e desvario como erva fresca,
voa alto e deixa de avistar-se no horizonte,
uma linha branca intensa queima os olhos.

Sonho meu, o coração espera
late devagar, devagar e para,
num segundo a vida foge de mim e eleva,
olha para este corpo,
as lágrimas secas deram ao mar o sal da vida.

Mar dos tormentos de quem vive só,
partilha um mundo que só tem por dentro,
ninguém quer remar em águas turbulentas
e ao cair a noite, cai a saudade.

Morre o desejo, o coração para
e misturam-se os sonhos ao acordar
e adormece a saudade ao despertar.


Mariajoao em 20 de Abril de 2012.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O nosso:"Um mosquito esquisitinho"

Livro para crianças entre os 6 e os 9 anos de idade. Para além dos contos cheios de aventuras mágicas, travessuras e doçuras, tem ainda desenhos para colorir e espaços para que as crianças possam ter a sua intervenção no livro.
Esta obra resultou de uma Oficina de Escrita Criativa desenvolvida por Luísa Monteiro na Biblioteca António Ramos Rosa, em Faro. A autoria é de 10 escritores de Faro e conta com a ilustração de Rui Silva.
Peça já o seu exemplar antes que esgote. Os pedidos podem ser feitos para: redil.editora@gmail.pt

terça-feira, 10 de abril de 2012

Migalhas

senhoritaraiazac.wordpress.com

Em silêncio olho o mundo 
brindo a dois o desengano,
quando a vida passa ao lado
ousando viver por ti.

Em silêncio ouço a voz
de quem fala sem ouvir,
as vozes que são queixumes
e calo por não sentir.

Em silêncio sinto o toque
e o brinde de uma carícia,
pousando suave e fugaz
e sinto por não fugir.

Vivo a vida com prazer
sem o prazer das lembranças,
migalhas do amor perdido
e espero por não morrer.

Migalhas que enchem o amor,
sentir de um triste lamento,
migalhas de ti, sabem a pouco,
doce e amargo é deste tempo.
Mariajoao 09/04/2012 



sexta-feira, 30 de março de 2012

Caracóis de Sonhos



Devagar trepa a folha longa, com a sua concha redonda, perfeita!
Tem apenas aquele objetivo, por agora…
Uma tarde imensa chega para aquele fim.
Ao lado, passa alguém muito apressado
Aquela tarde é pequena para ali.
E de redes e cordas nos unimos de compromissos.
Os dias fogem, os anos correm e a vida abrevia,
Na pressa de querer, no egoísmo de ter, na força de ir.
A concha redonda agora desce a longa folha
Atrás de si deixa um brilho do prazer que foi aquele momento.
Ao lado, um rosto amarrotado sonha com saudade daquilo que não fez
Agora com tempo observa a beleza da concha perfeita.

Identidade



Ser é uma questão difícil de refletir, sentido da vida tão ambíguo,
Tão triste e malfadado, maltratado pela existência.
Impõe a alegria como sentido, amar como destino, fado como lamurio.
A minha alma é lusitana de tristeza,
Descende de ricos patrimónios de descobertas.
Sou a luz da esperança, porque sonho e crio o meu destino.
Sou a imensidão do horizonte, porque sei que sou imenso.
O mar é a minha alma, tão grande, volátil e ensejo,
Tão forte e quebrável na areia, que é o meu estar.
Sou as formas, que querem que seja, sou a luz que ilumina os que me seguem,
Sou a força que impõe o meu ser.
A estrela guia do sentido da vida, mas quero ser eu e não consigo.

Enigma



Depois de ouvir os ensinamentos, descobri o que era viver,
Neste mundo vazio de pensamentos, regras e desígnios.
Se vou para a esquerda olham e tropeçam,
Se à direita encontro o dom da vida, a crítica atormenta.
Quero ser feliz, mas não sou capaz.
Olho o céu em busca de uma esperança.
O céu responde-me:
Vai! Segue a energia! Muda… a vida não te quer aqui.
Busca o teu eu, afasta o que és.
Sei o que quero, que está fora de mim,
Mas… eu quero ser feliz! Poço?
Não! Porque isso é muito forte. Saí!

Rumos



Adeus! Foi a palavra mais lilás que proferimos na despida,
Um bege que imortalizou um momento de união,
Rosa de amor e descoberta.
Gostava de vestir o verde dos campos e o castanho da terra,
Ter a esperança da imensidão do azul do mar.
Olhar o horizonte branco e sentir o descampado das emoções.
Sentir o que experimento no encarnado desejo.
Transmitir a vastidão das descobertas como o amarelo da luz,
Da vida, no pranto do meu incolor sentir.
Gostava apenas de ser feliz como o pássaro que voa cinzento de liberdade;
Independência de ação como o branco da folha,
Que cai da árvore da vida azul escura, incógnita.

terça-feira, 27 de março de 2012

Canta-me Uma Canção



http://gorpacult.blogspot.pt/2012/03/musica-alem-da-partitura.html















Uma melodia espera por nós
é a fantasia de quem quer o amor
como nota musical que se estende em do maior
é o maior dos sonhos meus.

Melodia que começa com um acorde suave e subtil
faz vibrar o nosso templo e a destempo me sorri
som que toca até o infinito e que chega ao coração
ainda ouço a tua voz dentro de mim.

Canta-me suavemente ao som dos meus sonhos
uma canção de amor que fale por ti
canta-me uma doce melodia
que faça viver a mulher que há em mim.

Canta-me em clave de sol
para não arrefecer o coração,
canta-me com as notas ao vento
que soprem mais além do pensamento
e transmitam esse sentimento
que te faz abraçar a vida

Canta-me uma melodia capaz de
parar o tempo e o momento de amar a tempo,
melodia de uma sinfonia de um amor
que vai e vem ao som do querer.

Mariajoao 21/08/2011.

Retalhos de Paixão

Quadro pintado a óleo por Mariajoao nas aulas da Provectus.

Às vezes tenho saudades,
do tempo que não vivi...
das pessoas que não conheci,
dos amores que não encontrei...

A vida que vivi às vezes...
passou das vezes que a vivi!
Com os olhos da primavera,
que pousou ao pé de mim...

Às vezes tenho saudades,
do teu olhar calmo e sereno...
da tua voz carinhosa,
do teu abraço tão forte...

Da terra molhada em lágrimas...
do corpo molhado em suor...
De um dia de céu azul!
De uma noite calma e serena...

Às vezes tenho saudades,
desses retalhos de paixão...
paixão vivida aos retalhos,
cada uma da sua cor...

Retalhos que são os amores
de uma sinfonia incompleta.
Retalhos que nada são...
mas juntam tudo o que eu sou...


Maria João FS.
04/02/2012

segunda-feira, 26 de março de 2012

Amanhã é Domingo

Amanhã é Domingo, disse ele, por cima do sorriso mais aberto e espontâneo que conseguira ensaiar em vários anos de desejos abafados. “Vejo-te amanhã?” tinha-lhe eu perguntado por cima da minha ingenuidade quase perdida em vários anos.

Amanhã é Domingo, disse ele, por trás do seu olhar de sincera confiança e intimidade e eu vi todo o seu esforço para que eu não visse, aquilo que eu vejo quando olho nos seus olhos e o sinto dizer Amanhã é Domingo.

Amanhã é Domingo, repeti eu, por cima do sorriso mais doce e tímido que conseguira ensaiar em vários anos de sorrisos inconformados.

Amanhã é Domingo, repeti eu, e ele viu por trás do meu olhar a sincera aceitação que eu mostrei mas esqueci de sentir anos atrás.

Amanhã é Domingo, repetiu ele, na necessidade de reafirmar o Domingo como apenas Domingo, apenas um dia na semana. Eu calei a insegurança e ele viu contentamento.

Amanhã é Domingo, repetiu, com o seu sorriso fácil – forçado – só eu sei – tentando mostrar tudo o que para além dos Domingos há entre nós. Ele mostrou a segunda e eu vi o dia antes, ele falou na terça e eu temi o sábado. Ele não mostrou mas eu vi. Eu vi. Eu vi.  

Amanhã é Domingo, repeti com o meu sorriso treinado – forçado – só eu sei – tentando esconder a tristeza dos Domingos em que fico sozinha chorando o desejo secreto de trocar todos os dias meus pelos Domingos que não me dá. Ele não mostrou mas eu vi. Eu vi. Eu vi.

Ele mostrou-me os finais de tarde, passados todos os dias. Todos os finais do dia, num quarto arrendado, numa rua estreita, vestidos pelo desejo e desnudados pelos lençóis. E eu fechei os olhos e vi os amanheceres a dois onde eu não estou, os jantares tardios debaixo da luz amarela da cozinha enquanto eu janto sozinha numa sala vazia.

Amanhã é Domingo, pensámos os dois, suspirando para disfarçar a ansiedade de não nos vermos um dia, de não nos termos um dia, de não nos sabermos um dia. Um dia. Apenas um dia. Como eu queria ter na tua semana esse um dia.

Amanhã é Domingo, pensou ele, e viu os chinelos junto ao sofá, a chávena de café aquecendo a mão e o jornal aberto sobre os joelhos para ver o dia lá fora e esquecer o de dentro.

Amanhã é Domingo, pensou ele, e viu as cartas cansadas sobre a mesa ao final da noite. Viu o gelo derretido no final dos copos, no final das conversas, no final das vidas, que já não são nossas, mas que se recordam ainda e impacientemente se revivem. Viu o peso de muitos anos que não o fizeram sentir-se feliz.

Amanhã é Domingo, pensei eu, e vi os sorrisos trocados, por trás das mãos encontradas em locais onde as mãos não andam nem se esperam, vi os beijos tímidos, que já só tímidos podem ser, por entre os flashes das fotografias de Domingo.

Amanhã é Domingo, pensei eu, e vi o corpo dela meio despido sobre a cama, no final da cama, no final da noite, no final da vida. Quando a vida já não sabe ser outra vida mas as vidas se querem ainda, reencontram, rebuscam. E eu me sinto triste assim sem ti, que não consegui ter em tantos anos.

Domingo é um bom dia, disse ele, sem saber o que dizer, quando sentiu em mim a tristeza de saber já ser Domingo novamente.

Domingo é um bom dia? Disse eu com o olhar, quando o perguntar não soube fazer-se pergunta.

Domingo é um bom dia, disse ele, querendo mudar rapidamente o assunto. Vestiu o seu tom grave - tão natural! não o soubesse eu  ensaiado para fugir dali – e falou de como a Segunda se segue ao Domingo, da Terça que vem depois e de tantas coisas que ele diz quando não diz nada e que eu não oiço quando a única coisa que faço é ouvi-lo.

Domingo é um bom dia, disse eu, quando senti que mais nada poderia ainda dizer. Guardei a minha mão para mim, porque sei que não são minhas as suas mãos quando me fala assim. Olhei com um olhar vazio, porque sei que não são meus os seus olhos quando me olha assim. E bebi todas as suas palavras, mesmo sabendo que não fala para mim quando me fala assim.  

Mas não foi Domingo ainda ontem?, perguntei eu, quando me calei no meu silêncio.

Mas não foi Domingo ainda ontem?, perguntou ele, quando não teve coragem de dizer mais nada.   

Amanhã é Domingo, repetimos os dois, enquanto nos vestíamos em silêncio e nos despedíamos com os pequenos gestos de sempre.

Domingo é um bom dia, disse eu, na última vez que nos beijámos, quando quis que o beijo fosse mais o mais forte e quente dos nossos beijos mas também o mais suave e descomprometido de todos eles.

Domingo é um bom dia, disse eu, enquanto lhe perguntava se podia sair eu primeiro naquela noite, enquanto o ouvia responder que sim, acenando com a cabeça e sorrindo demasiado. Que fosse eu primeiro, que tomasse cuidado para não ser vista, que chegasse bem a casa, que passasse um bom Domingo.

Domingo é um bom dia, disse eu, na última vez que nos vimos, quando olhei sobre o ombro ao sair pela porta e murmurei quase sem mexer os lábios; quando desci a rua estreita e mal iluminada, sentindo as gotas que depois da chuva ainda pingavam das árvores; quando fiquei descalça e caminhei junto à linha do comboio.

Domingo é um bom dia, soube finalmente quando sorri, pensando que, depois de tantos anos, um Domingo seria finalmente meu; quando esperei pela luz que se aproximava e atravessei… Sim, Domingo é um bom dia... para o meu funeral.

sábado, 24 de março de 2012

O autocarro já passou


O leão comia um belo bife sentado na esplanada do bar,
As nuvens malabaristas, que saltitam de lá para cá,
São umas verdadeiras artistas. 
No jardim zoológico os carros voam com asas gigantescas de cartão
E os elefantes às riscas comem trombas de chita.
- Se estiver com dores na unha vou ao dentista
Diz o malabarista sem braços
Mantendo três focas no ar.
Mas o dente doía tanto que até o pé tremia.
Ao olhar pelo dentista, vi uma janela sem dentes.
Se o elefante soubesse, hoje não tinha chovido.
Agarra o trapézio, que o autocarro já passou!
Boca fresca, só lavando três vezes com as malas à porta.

Insónia


Completamente escuro
Ouve-se uma sirene
A mulher acende o candeeiro.
Estão ambos (H e M) deitados na cama, a mulher acendeu o candeeiro do lado do Homem e encontra-se debruçada sobre ele que está de costas.
H – São horas?
M – Não. Ainda não.
H – Dorme.
M – Não consigo.
H – Queres falar? (vira-se para ela)
M – Não, deixa… É tarde. Dorme.
(o Homem vira-se, ela apaga a luz)
Pausa
M- Miguel?
H – Sim?
M – Estás a ouvir?
H- O quê? (acende a luz)
M – Qualquer coisa na rua. Não tenho a certeza. Se calhar é um cão. Não ouviste nada?
Homem senta-se. Pausa
H – Queres que vá ver?
M – Tenho a certeza que ouvi um carro.
Homem levanta-se, vai até à janela e abre-a
H – Não vejo nada.
M – Sim, se calhar não é nada. Anda, vem aqui para ao pé de mim.
Ele fecha a janela e deita-se.
M – Tens os pé frios.
H – Está frio lá fora.
Ela apaga a luz e volta a acender.
M – Podemos falar um bocadinho? Tenho medo. Eles, eles… E se eles…?
H – (abraça-a) Não tenhas medo. Eu estou aqui.
M – Prometes?
H – Claro que prometo. Lembras-te quando nos conhecemos?
M – Isto é diferente. Se eles vierem…
H – Dorme. Não vêm. Não sabem onde estamos.
M – Escuta. Estás a ouvir? (levanta-se e vai à janela) São eles. Tenho a certeza que são eles. (corre a cortina)
H – Vês alguém?
M – Não.
H – Então?
M – Mas vi uma sombra a virar a esquina.
H – Devia ser um cão. Andam por aí alguns.
M – Não! Tenho a certeza que eram eles. Olha, vem ali outra vez. Estou a vê-lo.
(ele levanta-se e corre até à janela)
H – Não te disse? É só alguém a passear o cão.
M – E tu achas mesmo que alguém anda a passear o cão com este frio? A esta hora?
H – Não sei que horas são.
M – Ora, não te faças de parvo! Achas que tens piada? Não levas nada a sério. Tem alguma piada, é? Eu não quero morrer.
H – Não sejas parva. Não nos vai acontecer nada.
M – Também não vinha ninguém atrás de nós e vê bem no que estamos metidos. (começa a andar pelo quarto, exaltada) E dizes tu que gostas de mim? Não levas nada a sério. Não se pode confiar em ti. A culpa é toda tua. Não és homem, não és nada. Nem consegues tomar conta de mim. Não disseste que me protegias?
H – (abraça-a) E protejo. Estou aqui.
M – Nunca ouves o que te digo.
H – Ouço. E por ouvir é que acho que estás a ser parva. Tenta acalmar-te. Tomaste os comprimidos?
M – Tomei.
H – Então acalma-te e vamos dormir. (encaminha-a para a cama) Toma, bebe um pouco de água. Estes nervos. Tens que te controlar. Não é bom. Imaginas coisas.
M – Eu não imagino nada!
H – Sim, eu sei. Mas agora vamos dormir. Estou cansado. Tapa-te, está frio. Vais ficar doente. (deita-se também)
M – Deixa a luz acesa. Tenho medo.
H – Ok, mas dorme. Já é tarde.
Pausa. Dormem
Ouvem-se passos bruscos pela escada e batem à porta.
M – Eu não te disse que eles vinham? (assustada)

O meu gato


Desconfio que o meu gato não é um gato verdadeiro. Tem quatro patas, bigodes que picam e rabo comprido como os gatos, mas não parece um gato.

Quando a vizinha Ana o trouxe, dentro de uma caixa de sapatos, vi logo que não era um gato como os outros.

Primeiro pensei que era o gato de uma bruxa e vinha para me obrigar a comer feijão verde, mas o meu gato não podia estar menos interessado naquilo que eu como. Além disso, foi a vizinha Ana que o trouxe e ela é simpática e tem sempre os bolsos cheios de rebuçados coloridos para partilhar.

Mas tenho a certeza de que ele não é um gato a sério. Tem um bacio azul e senta-se nele para fazer xixi e, quando a mamã não está a ver, fala comigo. Juro que fala! Mas não sei o que me diz porque não conheço a língua.

Talvez seja um extraterrestre disfarçado. Isso explicaria porque tem um olho de cada cor e mia às estrelas. Para provar a minha teoria tentei espreitar dentro da boca mas ele mostrou-me os dentes grandes e afiados e fugiu. É muito suspeito!

Também pode ser um espião estrangeiro, talvez da guerra fria de que fala o avô. Afinal esconde-se de nós quando passamos por ele e gosta de espreitar pelas janelas do vizinho.

O meu gato até podia ser um amigo mas dorme todo o dia, sai à noite pela janela e não entendo nada do que ele diz. Excepto daquela vez em que eu sonhei que um comboio de braços gigantes me levava para dentro da noite e o meu gato veio deitar-se junto a mim e miou baixinho “Gosto de ti”.

domingo, 18 de março de 2012

Agenda de Março

A Alma da minha avó, como ela lhe chamava, sempre me fascinou. Foi por isso que, assim que regressámos do seu funeral corri para o quarto à sua procura. Não fosse algum dos outros vinte e sete sobrinhos netos ter a mesma ideia.
Às vezes a minha tia avó sentava-se na cama e acariciava os ângulos da sua alma retangular.
Encontrei-a, no alto do armário, lisa como a esperava, por baixo do pó acumulado. Sentei-me, agora eu, na cama e, pela primeira vez, toquei nas fotografias que até ali só tinha visto de longe. Divididas por épocas, não tinham cenas proibidas ou segredos escondidos, apenas o meu tio avô, que eu mal conhecera, retratado ao longo de cinco décadas.